Não é à toa que os fundos imobiliários (FIIs) chamaram a atenção do investidor. Eles entregam ganhos maiores que os da renda fixa, com um risco bem menor que o das ações. Quem compra cotas de um FII entrega seu dinheiro para que um gestor o aplique em ativos imobiliários. O resultado financeiro da exploração desses ativos é repartido entre os cotistas do fundo.
É na divisão desses resultados, distribuídos por meio de dividendos, que a maior parte dos investidores em FII está interessada. A chance de ter uma renda mensal é vista com bons olhos por aquele perfil de investidor que, em outros tempos, estava acostumado a tirar uma “mesada” de juros de suas aplicações de renda fixa.
Mas essa mesada em forma de dividendos não é a única forma de ganhar dinheiro com FII. O investidor também pode se beneficiar pela variação do valor de mercado de suas cotas.
Conforme a prioridade escolhida – a geração de renda por meio de dividendos ou o ganho de capital pela valorização das cotas – será preciso traçar uma estratégia diferente. Vamos falar sobre cada uma delas.
Estratégia 1: geração de renda por meio de dividendos
Em que consiste?
Colocando de forma simples, o investidor vai escolher um fundo que pague um dividend yield atrativo, ou seja, que dê um bom percentual de retorno pelo valor investido nas cotas. Montando uma carteira com bons FIIs, ele deverá ter um fluxo de renda interessante.
Para quem é mais indicada?
Para a grande maioria dos investidores. Um dos principais chamarizes que atraem a pessoa física para os FIIs é justamente a possibilidade de obter uma renda mensal sobre o valor investido.
Onde investir
Quando a prioridade é obter renda, as melhores escolhas são fundos ancorados em contratos que tragam um fluxo de caixa mais consistente, assegurando a regularidade da receita.
“Os fundos de papel, baseados em CRIs, são uma boa alternativa. Eles têm resiliência maior na distribuição de dividendos, graças a uma carteira de crédito com fluxo de caixa previsível e garantias imobiliárias”, recomenda Vitor Bidetti, CEO da Integral Brei.
No caso dos fundos de tijolo, a qualidade do locatário é um aspecto crucial. Quanto melhor a saúde financeira do inquilino, menor a chance de ele quebrar e maior a previsibilidade do pagamento de dividendos.
No segmento de logística, o destaque são os contratos de galpões built to suit (BTS), que são construídos de acordo com as necessidades da empresa que os encomendou. Neles, a locação é firmada pelos chamados contratos atípicos. “Se a empresa desocupar o imóvel antes do vencimento, terá que pagar todo o saldo restante. Isso dá estabilidade ao contrato”, explica Bidetti.
High grade x high yield: o risco vem no pacote
Em qualquer tipo de investimento, risco e retorno andam de mãos dadas, e com os FIIs não seria diferente. Enquanto os fundos classificados como high grade entregam retorno ao redor de 6% ao ano (0,5% ao mês), os high yield geralmente rendem acima de 10% ao ano – alguns chegam a 1,5% ao mês. Mas isso não vem de graça.
“Não existe mágica: para apresentar maior retorno, é preciso correr mais risco. Os fundos high yield apresentam um histórico de dividendos maiores por um período, mas tem que ficar claro para o investidor que ele está assumindo mais risco, e isso pode ter consequências”, alerta o sócio da Integral Brei.
De que tipo de risco estamos falando? Principalmente de crédito, relacionado à capacidade financeira do devedor – seja o inquilino de um imóvel, ou tomador de crédito em um CRI. Uma multinacional que ocupa uma laje triple A na Faria Lima traz ao fundo uma perspectiva de inadimplência pequena. Já uma empresa de porte médio que loca um andar em uma região menos cobiçada pode ter menos fôlego em uma crise – e, em caso de desocupação, o imóvel talvez fique vazio por mais tempo até achar outro locatário.
Mas há outros tipos de risco. Um exemplo são os fundos de desenvolvimento, que investem em incorporação residencial. Eles apresentam retornos mais altos que os de tijolo. Mas apresentam todos os riscos envolvidos no processo de incorporação e construção. Obras podem atrasar, licenças podem não sair e, até o lançamento, a maré econômica pode ter virado e se tornado desfavorável. Além disso, a efetiva geração de renda só vai começar quando as unidades forem vendidas ou locadas.
O que importa é que, ao escolher um fundo que promete um yield maior, o investidor deve estar ciente de que está aceitando os riscos que vêm no pacote.
Não entre em um fundo só porque ele paga um yield elevado
O problema é que muitos investidores que compram fundos high yield não têm essa consciência. Na hora de escolher onde investir, eles vão atrás do yield maior, sem saber onde estão entrando.
“A pessoa física cai muito nessa armadilha. Ela olha o rendimento do mês passado ou retrasado, vê que o fundo entregou 1% ao mês e acha maravilhoso, mas não enxerga o que existe por trás daquilo”, diz Bidetti. “É preciso fazer uma análise mais profunda do histórico do fundo, da experiência daquele gestor.”
Caio Braz, sócio da Urca Capital Partners, diz que o investidor primeiro precisa entender onde o FII investe e se o risco que ele corre é adequado para o que ele está pagando. “Há fundos que pagam um yield alto porque o valor da cota desabou depois de algum problema, como a desocupação de um imóvel”, afirma.
Isso não significa que se deva fugir dos fundos de alto risco a todo custo. Para o pequeno investidor que busca uma renda perene, pode ser melhor optar por um fundo que pague um yield mais comedido, sem solavancos. Outros perfis podem preferir montar uma carteira diversificada, combinando fundos com maior e menor risco para ganhar um pouco mais.
Aquele dividendo generoso pode não ser recorrente
Outra questão importante é que o resultado gordo apresentado por um FII pode não ser recorrente, mas fruto de alguma questão pontual. Nesse caso, o rendimento não vai se repetir no futuro, frustrando as expectativas de quem olhou apenas o yield pago no último mês.
Uma situação frequente é a do fundo de tijolo em que o locatário desocupa o imóvel e paga uma multa. O valor da multa engorda o caixa do fundo, mas a partir do mês seguinte a receita despenca com a propriedade vazia.
Outro bom exemplo é o dos fundos de papel com CRIs indexados ao IGP-M. A disparada do índice em 2020, acompanhando a alta do dólar, turbinou os créditos e trouxe dividendos polpudos aos fundos. Mas nada leva a crer que haverá um salto parecido, no dólar e no índice, em 2021.
Faça a lição de casa: acostume-se a ler os relatórios
Para saber o que o fundo tem dentro da carteira, o tamanho do risco que ele assumiu e a origem dos últimos resultados, o investidor precisa arregaçar as mangas e correr atrás dessas informações.
“Alguns sites mostram o histórico de desempenho dos fundos, com o valor da cota e o dividend yield dos meses passados. Se você notar uma mudança brusca no valor da cota ou dos dividendos, procure os relatórios gerenciais do período em questão”, ensina Braz. “Provavelmente, o gestor do fundo falou sobre isso, em linguagem clara para o investidor.”
O professor Marcos Baroni, chefe de pesquisa de fundos imobiliários na Suno Research, diz que o investidor precisa estudar e ampliar o próprio repertório.
“Tem que ler os relatórios gerenciais, interagir com o gestor”, defende. “Ou então, ter um bom profissional ou casa de análise que faça a cobertura do mercado e explique o que aconteceu com aquele fundo, de onde veio o resultado dele.”
Se você comprou aquele fundo pela renda, não fique olhando para o valor da cota
Você escolheu um fundo que paga um yield satisfatório e está recebendo seus dividendos direitinho. Mas aí você nota que o valor da cota fica estagnado ou, pior, cai. Impaciente, você se estressa, reclama com o gestor e resolve sair do fundo, porque está “perdendo dinheiro”.
O recado dos especialistas ouvidos pelo 6 Minutos é: não seja essa pessoa. Se sua estratégia é geração de renda e o fundo está pagando bem, seja coerente com o seu objetivo e permaneça onde está.
“A oscilação da cota às vezes acontece de maneira não lógica e sem fundamento, porque em determinado mês o FII distribuiu um pouco menos. A pessoa física é muito sensível a isso, começa um movimento de venda e o valor da cota cai”, explica Bidetti. “Mas, se o investimento é de longo prazo e o gestor está fazendo bem o seu trabalho, não se assuste com oscilações pontuais. A pessoa física faz movimentos inadequados, entra na alta e sai na baixa, que é o oposto do correto.”
Caio Braz diz que o investidor deve analisar se a queda é daquele fundo ou do mercado. “Em 2020, o mercado ficou irracional por alguns momentos, e todos os ativos caíram sem uma justificativa plausível”, lembra. “Nesse caso, em vez de sair do fundo, o que o investidor experiente faz é comprar mais cotas. Ele percebe que aquele fundo não está mais barato porque sua operação piorou, mas pelo momento do mercado.”
Baroni é da mesma opinião. Ele diz que o investidor de FII é, por natureza, um acumulador de renda e deve se concentrar em aumentá-la. “Se olhar mais para isso que para a movimentação do mercado, ele entenderá que, em um fundo bom, uma eventual queda traz uma oportunidade para ele. Ele poderá comprar mais cotas, pagando menos e elevando sua renda”, diz.
Isso não significa, porém, que o investidor deva ficar paralisado para sempre no mesmo fundo.
“Toda carteira deve ser revisada a cada 6 ou 12 meses”, defende o especialista da Suno. “Procure saber por que aquele fundo subiu, andou de lado ou caiu.”
Estratégia 2: ganho de capital por valorização das cotas
Em que consiste?
A ideia aqui é outra: comprar as cotas hoje pagando barato, para vendê-las mais caro amanhã. O objetivo principal é embolsar essa diferença, incorporando ganho de capital ao patrimônio.
Baroni, da Suno, explica que há duas estratégias diferentes para isso. A primeira é a compra com mentalidade de curtíssimo prazo. “O investidor nota que há uma distorção de preço e se posiciona para capturar esse movimento, que pode durar de uma semana a 90 dias”, explica.
Já o segundo caminho é voltado para o médio prazo: comprar um fundo hoje descontado (de shopping center, por exemplo), na expectativa de uma melhora futura, acreditando que dentro de 1 ou 2 anos se possa capturar um ganho de capital. “É um trade-off: você abre mão de ter uma renda melhor agora, mas, quando o fundo estiver normalizado, terá a valorização da cota e recuperará a renda que deixou de ganhar.”
Para quem é mais indicada?
A missão é identificar os produtos que são bons, mas estão excessivamente descontados em relação ao seu valor patrimonial, por alguma distorção do mercado. “Você vê que aquele fundo tem boa carteira e boa gestão. Então é uma boa compra, visando a evolução no valor da cota no médio e longo prazo”, explica Bidetti.
O problema é que, para saber disso, é preciso ter um nível de informação que geralmente não está ao alcance do investidor comum. “Essa estratégia é boa para quem tem conhecimento mais profundo, ou o cara do segmento private que tem alguém que faz essa análise e monta uma carteira administrada para ele”, diz o sócio da Integral Brei. “Sem esse conhecimento, a chance de a aposta dar errado é alta.”
Já Baroni acredita que a segunda estratégia, de médio prazo, apostando na recuperação de um setor em até dois anos, também pode funcionar para o investidor de pequeno porte. “Mas, para ele, não é tão relevante [quanto o ganho de dividendos]. É mais um tempero na carteira que uma condição essencial”, define.
Onde investir?
O professor da Suno Research explica que qualquer FII pode ser visto como um ativo possível de geração de ganho de capital. “O que faz a oportunidade aparecer é a assimetria, o ruído.”
Exemplos não faltam. Entre março e maio de 2020, muitos fundos de shopping centers foram precificados (para baixo) de forma exagerada, como se os centros de compras fossem passar vários anos fechados. Fundos de lajes corporativas chegam a operar com desconto de 20% sobre o valor patrimonial, em meio ao “fantasma do home office permanente”. Mesmo em um fundo de logística, basta um ou dois locatários importantes anunciarem que vão embora e o ruído já está instalado. “As assimetrias mais óbvias hoje estão em laje, shopping e hotel. Mas o mercado já começa a corrigi-las”, diz Baroni.
Braz diz que os FII de desenvolvimento imobiliário podem ser boas pedidas. “Esses fundos são programados pelo gestor com a estratégia de valorização da cota. Mas o valor de mercado daquele empreendimento dependerá de como o mercado irá enxergá-lo. E o fundo só vai começar a fazer caixa (e, portanto, pagar dividendos) lá na frente, quando vender ou locar as unidades”, afirma.
O que vale a pena comprar descontado, eis a questão
Se as oportunidades de ganho de capital nascem de fundos que estão descontados, é muito importante que o investidor procure saber o que causou a desvalorização da cota. Uma boa leitura do relatório gerencial do fundo pode dar a ele essa informação.
“Qual foi o problema: o fundo, a região, o setor? Você compra aquele FII apostando na solução. Então, tem que entender qual foi o problema e achar que ele será resolvido. Não é tão simples”, afirma o sócio da Urca Partners.
Gustavo Asdourian, sócio executivo da Guardian Gestora, ressalta que o investidor que está de olho em valorização de cota precisa ter estômago para aguentar firme até uma recuperação que pode levar meses ou anos.
“O ideal é ter um portfólio balanceado. Veja os imóveis caso a caso, vá onde há potencial de retomada e fique longe de empreendimentos com problemas”, aconselha. “Um prédio em local isolado em que havia um contrato atípico e a empresa saiu terá dificuldade de reocupação. Já em um fundo de laje em que a vacância subiu por uma questão econômica sazonal, dá para apostar e esperar a cota subir”, compara.
Ele lembra que os fundos que pagam dividendos generosos também acabam fazendo sentido quando a ideia é buscar ganho de capital. “Com a taxa de juros ainda baixa, a tendência é esses fundos terem maior procura e o valor da cota subir.”
O caminho do meio
Marcos Baroni defende que o foco principal da pessoa física em FIIs deveria ser a geração de renda, não o ganho de capital. Mas nada impede que a carteira também tenha algum espaço para a segunda estratégia. “Um portfólio com 80% de foco na geração de renda e 20% em ganho de capital dialoga bem com a maioria das pessoas. Mas não é algo mandatório”, diz o professor.
Já Vitor Bidetti diz que, para o pequeno e médio investidor sem conhecimento profundo do mercado, o caminho mais seguro para obter o melhor dos dois mundos é investir nos fundos de fundos. Nesse tipo de FII, o que o gestor coloca na carteira são cotas de outros FIIs.
“Ele vai maximizar o rendimento do portfólio, tanto por meio de ganho de capital, capturando bons momentos de entrada e saída dos fundos, como observando o histórico de boa distribuição de dividendos”, explica o sócio da Integral Brei. “A política de investimento faz um mix das duas estratégias.”