Entre tantas outras lições, a pandemia mostrou ao brasileiro a importância de se ter à mão um dinheiro guardado para aqueles momentos de adversidade, que às vezes chegam de surpresa. Mas, na hora de escolher o produto mais adequado para isso, o que deve nortear o investidor não é a eterna busca pela maior rentabilidade.
“A reserva de emergência deve proporcionar liquidez com segurança. As ações da Petrobras podem ter boa liquidez, já que é fácil negociá-las, mas apresentam grande risco de oscilação. E a reserva não é lugar de surpresas”, diz Letícia Camargo, planejadora financeira CFP pela Planejar.
É por essa razão que os produtos mais indicados na renda fixa costumam ser os pós-fixados. Isso porque eles dificilmente apresentam oscilação negativa. Já os prefixados e os atrelados à variação da inflação podem sofrer marcação a mercado em momentos de maior estresse. “Com eles, o investidor pode ter que realizar prejuízo na hora do resgate. Já o pós-fixado não tem esse problema, é o único que se mantém na crise”, afirma Letícia.
Em setembro de 2020, porém, até mesmo o Tesouro Selic, que é pós-fixado (já que segue a taxa básica de juros), ficou negativo. “Isso não acontecia desde 2002. A volatilidade foi baixa, mas ela também existe nesse papel”, reconhece a planejadora financeira.
Os “clássicos” perdem para a inflação
No cardápio de pós-fixados, as principais opções são os fundos DI, os CDBs e o próprio Tesouro Selic. Todos eles seguem a taxa básica de juros, a Selic, que desde 5 de agosto de 2020 está em sua mínima histórica, de 2% ao ano. Por outro lado, a inflação está bem maior: de janeiro a dezembro de 2020 cravou 4,52%, enquanto os papéis atrelados à Selic acumularam ganhos de apenas 2,77%.
Isso significa que o juro real desses investimentos foi negativo, já que o retorno entregue ao investidor ficou abaixo da inflação. Na prática, mesmo tendo alguma rentabilidade no período, o valor investido perdeu poder de compra.
“A reserva de emergência é uma parte pequena do patrimônio. Se ela apresenta juro real negativo, o investidor deverá perseguir um retorno maior no restante do valor investido, que está fora dessa reserva. Assim, a carteira como um todo terá rentabilidade acima da inflação”, diz Letícia.
Para ela, deve-se resistir à tentação de colocar a reserva em produtos de maior risco, de olho nos possíveis ganhos. “Vimos muita gente que havia alocado a reserva de emergência em fundos imobiliários. Em março passado, com a chegada da pandemia, os ativos derreteram e essas pessoas se desesperaram”, lembra.
Cada um desses produtos pós-fixados tem suas limitações. As taxas de administração dos fundos DI pesam demais – com a Selic a 2%, um fundo que cobra 1% ao ano de taxa já abocanha metade do ganho do investidor. “Mas há fundos simples, só com títulos públicos, de corretoras independentes, que não pagam taxas de administração”, diz Letícia.
No caso do Tesouro Selic, se o valor investido ficar abaixo de R$ 10 mil, não há cobrança de taxa de custódia para a B3. Acima desse montante, paga-se 0,25% ao ano – o que, num cenário de taxa Selic a 2%, não é algo desprezível.
Os CDBs podem ser as melhores opções, mas há alguns cuidados a se tomar. Nem todos têm liquidez diária e alguns têm um período inicial de carência antes que possam ser resgatados. Como regra geral, a rentabilidade oferecida pela instituição financeira emissora do papel será inversamente proporcional à sua qualidade de crédito. Bancos com rating (avaliação de risco) mais baixo remuneram melhor o investidor porque oferecem um risco maior de insolvência.
O investidor conta com a proteção do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) para até R$ 250 mil investidos em cada instituição financeira. E só pode ser indenizado em até R$ 1 milhão ao longo de quatro anos.
“Se o banco quebrar, o investidor terá que aguardar até que o FGC faça o ressarcimento. Se estamos falando de uma reserva de emergência, isso pode ser complicado. Além disso, o valor investido deixa de ter rentabilidade no período entre a quebra e o pagamento”, avisa a planejadora financeira.
Quanto dinheiro realmente precisa de liquidez imediata?
Se é preciso aceitar que os produtos com liquidez imediata hoje apresentam rentabilidade pífia e juro real muitas vezes negativo, a questão a se colocar é quanto dinheiro efetivamente precisa ter esse destino.
“A reserva de emergência de fato precisa ter liquidez, não adianta precisar usar e não poder. Mas isso não significa que a reserva inteira precisa estar em D+0 [com resgate imediato no próprio dia]”, defende Arnaldo Curvello, sócio-diretor da Galapagos Wealth Management.
Ele diz que a maior preocupação do investidor costuma ser com uma súbita perda de emprego. Mas um empregado sob o regime da CLT não vai embora de mãos abanando: ele recebe o aviso prévio, uma indenização rescisória, antecipa verbas como 13º e férias, saca o FGTS.
“No momento do desligamento, ele recebe verbas a que não teria acesso se estivesse trabalhando. Só o aviso prévio já é um salário a mais. Por isso, não precisa colocar tudo em D+0 e comprometer tanto a rentabilidade da carteira. Ele pode fracionar a reserva em montantes com liquidez de 30 a 90 e ir administrando enquanto não se recoloca”, afirma.
O sócio da Galapagos sugere uma carteira diversificada, com outros tipos de ativos. Uma opção são os títulos do Tesouro Direto com prazos mais longos. “Eles sofrem oscilações, mas oferecem boa rentabilidade e têm liquidez. O que pode acontecer é que você precise vendê-los num dia ruim [e perder dinheiro]. Mas, se for uma emergência, paciência”, pondera. “E, se o perfil de risco for mais agressivo, um pedaço da reserva pode estar em algum fundo de renda variável com prazo mais curto.”
Outra recomendação de Curvello são fundos que investem em crédito privado. “Eu particularmente gosto bastante deles. Alguns têm prazo de resgate a partir de 60 dias e entregam rentabilidade bem mais interessante que a da renda fixa comum, com a variação do CDI mais cupom de juros de 3% ou 3,5%. O investidor não precisa entrar em desespero e colocar tudo em Tesouro Selic.”
Qual deve ser o tamanho da reserva financeira?
Uma dúvida recorrente dos investidores é sobre quanto dinheiro basta guardar para se estar protegido contra uma eventualidade. E essa é uma resposta muito subjetiva, pois depende do padrão de vida e das necessidades de cada um: para Letícia, conforme o caso, pode ser necessário um montante correspondente a três meses de salário, ou até 12.
“Há três critérios que ajudam nessa avaliação. O primeiro é a empregabilidade: aquele tipo de profissional está sendo muito demandado pelo mercado? O segundo é a estabilidade de receita: um funcionário público tem um fluxo estável de renda, enquanto profissionais liberais e autônomos têm meses mais gordos e outros mais magros”, explica a planejadora financeira. “E há ainda o tamanho do comprometimento com despesas. Se pegarmos dois homens de 30 anos que trabalham na mesma empresa, o que é solteiro e mora com os pais tem uma situação diferente do que é, casado, tem filhos e paga um financiamento imobiliário.”
Curvello considera que, para alguém que tem situação profissional definida e já possui investimentos, é razoável formar uma reserva de emergência com o valor de seis salários. “Com essa quantia, mais as verbas rescisórias de uma demissão, dá para ter fôlego suficiente até conseguir uma recolocação profissional. Se isso não acontecer, o investidor terá que começar a resgatar em ativos de prazo mais longo. Além de cortar despesas, é claro.”
Ele reconhece, porém, que essa possibilidade está fora do alcance de muitas pessoas. “Tem gente que vai dizer: ‘meu amigo, estou pendurado no cheque especial, você acha que tenho condições de separar seis meses de salário?’. Para o meu perfil de cliente, isso é bem razoável, mas para a população em geral, isso está bem longe.”